Lugares Sagrados
Os lugares sagrados compõem a dimensão da materialidade do sagrado, pois reúnem aspectos físicos que orientam a paisagem religiosa. Assim, para se continuar a construir as idéias propostas nas Diretrizes Curriculares de Ensino Religioso no que se reporta a posição desta disciplina enquanto transmissora de conhecimento científico, que procura efetivar um estudo crítico dos princípios, hipóteses e resultados do conhecimento já constituído a respeito da cultura (do culto) social e de sua ampla diversidade e que visa a determinar os fundamentos lógicos, o valor e o alcance do sentido do fenômeno religioso para o ser humano. Neste tópico, buscar-se-á mostrar alguns exemplos que possam aferir a dimensão do entendimento do que possa vir a ser um lugar sagrado.
Para tanto, pode-se observar que muitas pessoas, de diferentes religiões, estabelecem lugares como sagrados. Sendo o sagrado reconhecido em suas manifestações, os lugares onde esta manifestação se deu ou se dá é considerado como um lugar especial, um lugar de profunda e intensa emanação espiritual ou, ainda, pode compreender um lugar onde o indivíduo realiza práticas de cunho religioso e busca o desenvolvimento de sua espiritualidade. Certas culturas religiosas, tais como, por exemplo, as indígenas, têm uma relação cotidiana com o que é sagrado. Já para outras tradições religiosas, o sagrado está em oposição ao profano. Tem-se aqui uma relação de opostos. O cristianismo, por exemplo, é uma religião que aponta constantemente para a existência de polaridades: Deus e diabo, lugares sagrados e lugares profanos, santidade e pecado, etc.
Há muitas possibilidades de compreensão e de classificação dos lugares sagrados. De maneira sintética, pode-se dizer que se dividem em: lugares construídos pelo ser humano e lugares da natureza. Todas as casas de reza da população indígena, igrejas dos cristãos, mesquitas islâmicas, sinagogas dos judeus, terreiros de candomblé e umbanda, Ashrams e templos hinduístas, entre outros, são exemplos de lugares sagrados construídos pela mão humana.
Em suma, o traçado, a configuração física religiosa, transmite mensagens sobre o entendimento que determinada cultura religiosa faz do culto ao transcendente e ao sagrado. Percebe-se que este traçado de arquitetura religiosa transmite, através de suas formas, o que está para além delas, configurando uma passagem para que se estabeleça, religue, o contato entre o mundo humano e o divino.
Também são tidos como lugares sagrados algumas cidades. Sabe-se, entre outros casos, que todo islâmico deve fazer o possível para, pelo menos uma vez em sua vida, visitar a cidade sagrada de Meca. Jerusalém também se configura nos moldes de uma cidade sagrada, como também a cidade inca, construída com pedras, denominada Machu Picchu (Peru), entre outras.
Além das cidades, apresentam-se como lugares sagrados construções como capelinhas, certas casas, alguns túmulos, etc. Existem verdadeiras peregrinações a certos túmulos, considerados como lugares privilegiados de contato entre os vivos e uma determinada pessoa que já faleceu e que, crêse, é capaz de agir sobre a vida dos vivos, ajudando-os em suas dificuldades; ou, mesmo, por se tratar de um túmulo de um ser humano que é tido como um exemplo em vida a ser seguido e, por isso, a ser venerado, logo se tornando sagrado o monumento, a construção, que intenta eternizar a memória dessa pessoa.
Neste mesmo sentido, a casa de algumas pessoas, tidas como seres de alta evolução espiritual, pode também ser local sagrado, como, por exemplo, a casa de Aurobindo (sul da Índia), um Guruque viveu uma vida dedicada à orientação espiritual de seu povo. Considerada como um lugar sagrado, sua casa é visitada diariamente por pessoas que acreditam que a meditação realizada em contemplação e em contato com a interioridade da habitação do mestre poderá trazer-lhes enlevo espiritual e cura.
Por outro lado, também são considerados lugares sagrados aqueles que se encontram na natureza e que para existir não sofreram a intervenção humana. O rio Ganges, por exemplo, para os hinduístas é um rio sagrado, no qual as pessoas se banham e realizam suas devoções a fim de receber a energia espiritual que lhes facultará uma vida de evolução.
A pajelança, ritual indígena, também é outra manifestação religiosa humana que se vale dos lugares sagrados da natureza. Certa cura ou certa passagem de estágio da vida pode advir do fato de a pessoa ficar em determinado lugar na natureza, onde receberá ensinamentos necessários e onde se realizará o seu processo de transformação.
Também há lugares sagrados configurados a partir da presença de certas coisas consideradas sagradas. Um exemplo disto é a árvore Baobá, árvore que os negros trouxeram para o Brasil no tempo da escravidão, é uma árvore sagrada para os candomblecistas. Esta árvore é considerada "planta da vida", pois vive entre 700 a mi lanos. Assim, para os candomblecistas, o espaço que ela ocupa se torna sagrado por conta de sua existência, pois adquire um significado sagrado, já que os remetem à consciência histórica de seus antepassados.
Até mesmo alguns caminhos ou trilhas podem ser considerados sagrados, como é o caso da peregrinação na Espanha rumo à Santiago de Compostela. Conforme alguns relatos, este pode ser um percurso sagrado, pois muitos peregrinos relatam uma transformação interior intensa. O caminho de Santiago de Compostela é considerado pelos historiadores uma das rotas mais antigas do mundo no quesito peregrinação. Localiza-se no norte da Espanha, na região de fronteira próxima à França, e o trajeto possui cerca de 700 quilômetros. O caminho leva esse nome em homenagem ao padroeiro religioso da Espanha: Tiago, um dos doze apóstolos de Jesus Cristo.
Os peregrinos, que refizeram o caminho de São Tiago, consideram que o mais importante não é percorrer todo o trajeto de cerca 700 quilômetros, mas, sim, estar nele. Segundo os historiadores, foi essa região do globo que Tiago escolheu para levar a palavra de Cristo após sua morte. Possuidor de um espírito aventureiro, Tiago teria levado sua mensagem de fé do interior do país ao litoral, depois retornando à Palestina.
Tiago foi decapitado pelo rei judaico Herodes Agripa, na cidade de Cesaréia, o qual proibiu que o corpo fosse enterrado; assim, seu corpo foi jogado para fora dos muros da cidade. Porém, antes de morrer, Tiago havia pedido a dois discípulos que gostaria de ser enterrado na região da Ibéria, uma das províncias do Império Romano. Desta forma, seus discípulos, Teodoro e Atanásio, recolheram seu corpo e prosseguiram viagem com o intento de realizar o desejo do mestre.
O corpo do apóstolo Tiago foi enterrado em um bosque denominado Libredón, na cidade de Iria Flavia, hoje Padrón. O local caiuno esquecimento até o ano de 813, quando um eremita chamado Pelayo, que, segundo a lenda, guiado pelas estrelas chegou ao exato local no bosque de Libredón onde estava enterrado Tiago. O percurso trilhado pelos dois discípulos é o hoje conhecido caminho de Santiago de Compostela.
Em Bali (Indonésia) as montanhas e os vulcões são consideradas como "Lar dos Deuses". Também no Brasil algo semelhante acontece. Em Goiás, por exemplo, existe uma montanha considerada por certos místicos como um lugar privilegiado de concentração de energia transcendente. A montanha recebe a visita de grupos de pessoas que, ao subi-la, acreditam estar trilhando uma jornada espiritual que as levará a um maior contato consigo mesmas e com a "Divina Mãe", que é a natureza, fonte sublime de toda vida.
A disciplina de Ensino Religioso intenciona a compreensão epistêmica dos aspectos espaciais que configuram a cultura das tradições religiosas. A partir da percepção e reconhecimento dos dados que estabelecem pontos de contato entre o humano e as suas idéias sobre o divino, caracteriza a forma específica de cada religião sacralizar o espaço.
Astor Fiegenbaum